Margem Desolada

Na margem do rio, um homem.
Nas margens do rio, vida humana.
O silêncio dos que governam quer silenciar o homem.
O silêncio dos que governam pode silenciar a vida.
Logo será abril.
A fome do homem, santo, não durará até abril.
Calará o homem e sua luta?
Se calar, abril será, novamente, o mais cruel dos meses,
E a vida morta às margens do rio misturará memória
Desencontro, vazios e ausências de sentido.
Será possível tecer outra história
Para abril?
Outro destino para o homem da margem do rio?
O rio tem nome de santo.
Um santo que chamava o rio de irmão
Assiste um santo que faz do rio seu irmão
Morrendo no leito de morte do rio.
A terra do leito de morte do rio
Acolherará o corpo do santo,
Por conta do silêncio dos que governam?
Ou será permitido, ao homem e ao rio, voz?


Discutem acerca da fé do homem,
E esperam que o lodo do rio leve-o para longe
Para o tempo em que as águas transpostas
Façam esquecer a santidade do homem.
Logo serão as águas.
Afogarão elas a luta do povo, que dá sentido as veredas do sertão?
O sertão feito mar esquecerá, por fim, o seu santo?
Se esquecer, as águas serão, novamente, a mais cruel das escolhas.
Mais uma vez é o, antes de tudo, forte, que encontrará a morte?
O chão duro e vermelho da margem do Velho Chico
Alimentar-se-á do corpo do santo,
Seu último e doce aliado?
Será possível escolher outra história
Para o rio?
O rio santo e o homem santo serão ouvidos?
Os ribeirinhos, guardiãs de ambos, assim esperam.
Porque não conversar?
É possível ouvir o homem-rio?
E salvar da morte, a santidade de ambos?

Adriana Dias

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